- No tienes miedo en la ruta?
- Si, siempre.
A ambição de viajar assim não é nova, já havia planejado isso faz uns anos, realizei alguns passeios locais, um pelo Uruguai em 2018, fiz upgrade de moto, equipamento e aí ocorreu um negócio chamado covid19. Restou aguardar, planejar, guardar dinheiro, fazer mais passeios pelo RS e SC….
Faz menos de 1 ano que havia trocado de emprego, lá por abril de 2022 a Argentina folgou as fronteiras, em outubro foi a vez do Chile. Aqui no trabalho o pessoal faz recesso de 15 dias no fim do ano e surge essa janela para fazer o passeio. O excelente câmbio para Real em solo argentino também motivou muito e com essas possibilidades surgiu a ideia de fazer algo clássico: ir até o Ushuaia. Comecei a pesquisar a rota durante uns meses e cheguei nessa aqui:
Entre ida e volta são ~10.000 quilômetros. Teria que fazer obrigatoriamente mais de 666 km por dia. Aqui você já deve estar pensando que é fácil né? Bem, pois pensou errado! Isso é quilometragem pra caramba pra fazer numa moto de baixa cilindrada em um clima rigoroso de calor, frio e muito vento. Mesmo com esses percalços a ideia persiste, então fiz uma revisão na moto e saímos em passeio de uns 1000 km em 2 dias com uns amigos aqui entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Na volta, já em Lages, pegamos uma chuva forte e em poucas horas estava detonado pela tensão de dirigir. Indignado e decepcionado comigo mesmo comecei a temer que não conseguiria vencer a viagem.
Veja bem, eu tenho essa Teneré 250 pelo excelente custo benefício, não queria trocar de veículo ou ter despesas com upgrade para manter-se confortável…Nessa data que lhes escrevo, um mero banco conforto do Pedrinho custa mais de 900 reais… Eu acho isso impraticável.
Em casa eu já tenho consciência que não vou conseguir fazer tamanho percurso. A estrada é toda asfaltada, têm apoio de grupos ao longo da rota, mas tem um ponto crucial que não deve ser menosprezado nas imensas planícies argentinas: vento. Eu tive a péssima experiência de enfrentar muito vento ao descer a Buenos Aires e depois pra ir de Santa Rosa até San Rafael, logo chegamos nessas partes…
Volto ao mapa e lembro que têm anualmente um encontro de motos no Cristo Redentor de Los Andes… Tá ai meu destino! Mantendo um pouco da rota original, eu planejo passar em Barra do Quaraí, entrar pelo Uruguai, entrar na Argentina por Concordia, ir a Buenos Aires, visitar as ruínas da Villa Epecuén, visitar Mendoza e ir até até o Cristo…. Mas por que parar aí? Já estou praticamente no Chile! Basta cruzar e passear por lá… Então adiciono Santiago e o oceano pacífico. Volto por Mendoza, Córdoba, Paraná, São Borja e estou em casa novamente. Esse trajeto aí fecha cerca de 6000 km, são aproximadamente 400 por dia e mantendo mais eu poderia até usar uns dias livres para fazer turismo!
Como mencionei, faz muitos anos que eu planejo isso. Fiz aulas de espanhol no Kultivi, procurei alguns grupos de turismo e consegui alguns contatos de pessoas de lá. Existe uma rede enorme de apoio a moto turistas em solo argentino e tem uma comunidade no Facebook chamada ‘Alojamiento para Motoviajeros’, que você já deve ter sacado do que se trata. Ali eu consegui o contato de várias pessoas ao longo das rotas. Num outro grupo do Chile eu consegui uma indicação de pousada em La Calera. Então eu adaptei a minha rota com o endereço de algumas dessas pousadas, assim que chego num lugar eu entro em contato com o próximo para saber como estava de lotação. Ali também me avisaram para ter muito cuidado com a capital, pois umas semanas antes um casal da Colômbia foi assaltado, levaram a XRE300 com toda a bagagem deles.
Na parte financeira eu calculo o gasto aproximado que tenho com toda quilometragem na Argentina, algo em torno de R$500, pois o real comprava cerca de 50 Pesos Blue e o litro de gasolina estava cerca de 140 Pesos, uns R$2,80 por litro. Você já deve ter lido a respeito sobre a maluca cotação da moeda argentina, existe o Peso oficial e o Peso Blue que vale muito mais pra quem tem moeda estrangeira. Ele é usado em todo o país, mesmo que você tenha lido que é ‘proibido’. Enquanto fiz essas estimativas o real comprava 50 pesos, no dia da partida comprava 60, aos poucos a desvalorização vai destruindo a moeda. Há muita casa de câmbio para a troca de moeda e aliado a isso eu usei o também Western Union. Num primeiro momento estava cético com essa ferramenta, pois se a transação desse errado eu estaria com problemas, pois não pretendo muito dinheiro vivo junto. Para passear no Chile eu gastaria uma boa grana, pois o litro de gasolina lá equivale a R$8, faria uns 1000 Km entre praia, capital e a minha pousada, menos de R$300.
Faço uma revisão na moto ainda antes do passeio para Santa Catarina, reviso direção, bengalas, válvulas, fluido de freio e colocar um pneu novo na frente com câmara vacinada, afinal de contas a última coisa que você quer é ter algum problema mecânico em outro país. Quinze dias antes de partir troco o óleo e percorro um pouco aqui pela região. A moto estava aprovada! Levo junto comigo um alicate, chave combinada 12mm, multiteste, lâmpada de farol, filtros de óleo, pastilhas de freio e um pouco de óleo de motor e uma escova de dentes velha pra lubrificar a corrente (faço esse procedimento diariamente).
Vou atrás da documentação necessária, tenho a ideia de encaminhar um passaporte que até chegaria a tempo, mas ocorreu greve na Polícia Federal e a produção foi embargada em semanas, então voltarei em outras viagens para carimbá-lo. Para entrar nos países bastou identidade e documento do veículo. Para rodar no Mercosul o veículo precisa estar no nome de um dos ocupantes ou ter documento permitindo o seu uso. Precisa ter a carta verde que tem um custo semanal, eu fiz uma corretora aqui perto de casa, mas descobri que pode ser feita online com pagamento por PIX. Levo uma porção de papelada impressa, incluindo carteira de vacinas do covid19 e uns papéis especiais para entrar no Chile. Levo também uma cópia digital de tudo num pendrive que ficava num bolso traseiro da minha jaqueta, assim caso tenha algum documento extraviado ou celular danificado eu posso imprimi-los.
No dia anterior à partida eu preparo os equipamentos na moto, levo um baú traseiro com grelha e alforges laterais. Como estou sozinho, utilizo o banco da garupa para levar a barraca. No alforge direito eu levo comida, água, peças e uma necessaire com remédios e itens de higiene. No alforge esquerdo eu levo ferramentas, saco de dormir e colchão inflável. Na grelha eu coloco um banco dobrável e uma sacola com um par de tênis extra e um par de havaianas. Dentro do baú eu levo a papelada e as roupas casuais, afinal é o lugar mais impermeável da moto.
Dia 21 de dezembro, o mais longo do ano, eu acordo cedo, tomo um café da manhã simples e vou pra estrada. Resolvo fazer uma rota um pouco mais longa (~30km), mas evitaria caminhões e um trecho ruim da BR 285 entre Passo Fundo e Ijuí. Saio em direção a Tio Hugo, Cruz Alta e depois a Ijuí, retornando para a 285 e indo a São Borja. O trajeto foi tranquilo, ainda não estava quente, apesar do péssimo asfalto até São Borja. Depois do almoço entro um pouco na cidade, estou em busca de um câmbio, pois achei erroneamente que há pedágio entre Salto e Concórdia. No fim um amigo uruguaio me enviou mensagem avisando que não tem e sigo até Uruguaiana.
A região aqui já é muito diferente, cidades muito mais afastadas e menos desenvolvidas em termos urbanos. Isso é histórico, pois o país não investiu nessas fronteiras com medo de invasão dos vizinhos. Ir até Uruguaiana e Barra do Quaraí foi um calor absurdo com lugares interessantes como a ponte de Ibicuí e a barragem Sanchuri, mas no resto é um imenso trecho de lavouras. Encontro dois casais de Minas Gerais que vão a Uruguaiana e cujo destino final é Bariloche. Chego em Barra do Quaraí no fim de tarde, aproveito pra tirar umas fotos na ponte de ferro, na fronteira com Uruguai e depois hospedo-me no Barra Hotel, o único da cidade, mas muito bom. Vou até o mercado comprar um lanche e está abarrotado de uruguaios, eles aproveitam a nossa moeda desvalorizada pra comprar tudo aqui no Brasil. No check-in do hotel eu opto por um quarto sem ar condicionado pelo preço mais baixo, chegando lá ele têm, mas está desplugado. Bastou plugar na tomada e ligou em 18ºC… Noite tranquila.
Dia 22 eu levanto cedo, carrego a moto e tomo o café da manhã do hotel. Abasteci bem, afinal eu não quero pagar os R$10 por litro da gasolina uruguaia, apesar de ser um curto trecho de apenas 150 km. É hora de entrar no Uruguai, ir até Salto encontrar o camarada e depois seguir para a Argentina. A entrada no Uruguai é simples, bastou identidade, documento da moto e certificado de vacinas. Para dirigir moto aqui você precisa de um colete reflexivo, vai ver todos usando e você não quer levar uma multa por causa de um item de 25 reais né? Vou em direção a Salto pela Ruta 3 passo por algumas comunidades bem precárias, essa é uma das regiões menos desenvolvidas do país. Salto é a segunda maior cidade do Uruguai com pouco mais de 100 mil habitantes, sim, o país é pequeno, com menos de 4 milhões de habitantes. Chego até um posto de gasolina no centro, conecto no wifi e infelizmente não consigo me encontrar com o amigo uruguaio, fica pra uma próxima. Salto é uma cidade agradável, limpa, acho que um tanto antiga, pois tem aquelas ruas estreitas típicas. Sigo para a fronteira e atravesso por cima da hidrelétrica de Salto Grande, uma represa magnífica, vista incrível, mas aqui não tenho como parar para foto, pois a rodovia só acomoda dois veículos, se eu parar posso acabar atrapalhando outros motoristas.
Chego na Argentina! Tem pouca gente e logo faço o trâmite de entrada e rumo para Concórdia. Aqui vem o choque de realidade, a cidade é muito precária, vou até o centro atrás de um Western Union, eu tô cagado de medo que não dê certo, mas em poucos minutos eu estou com mais de 30 mil Pesos em mãos (R$500). Vou até uma loja da Claro pra ativar um chip e pago cerca de 640 Pesos pela recarga de 3GB de dados. Com tudo pronto eu sigo rumo a pousada, na localidade de Francisco Alvarez, na periferia a uns 60km do centro de Buenos Aires. Pego a Ruta 14, sentido sul, uma autovia duplicada e com limites de 80Km/h até mais de 130 Km/h. Aqui eu sinto falta de uma moto mais rápida, ao menos para manter uns 110Km/h de forma mais constante. Tem muito vento e está muito quente, dirijo um trecho com camiseta, mas andar sem a jaqueta é pior! Antes de chegar em Zárate tem duas pontes com uma vista fantástica da região, a partir daí eu já uso o GPS para chegar até a pousada. Paro num posto e converso com um rapaz com uma Dominar 400, ele avisa do risco de assalto e deseja boa viagem.
O Moto Descanso Rasta é na casa de Ana Maria (@anysroth), uma senhora que recebe viajantes do mundo todo, quando digo ‘do mundo todo’ é isso ai mesmo. Tem um caderno com os agradecimentos desses e agora o meu lá também! Junto com Ana mora Maikel (@tochebiker), venezuelano que está na Argentina faz 5 anos e trabalha como motoboy do Mercado Libre (sim, aquele Mercado Livre).
23 de dezembro eu tomei um café simples, conversei com Maikel e ele me alerta sobre o risco de assalto, sempre dirigir nas pistas centrais, manter olhos e ouvidos atentos para ‘2 caras numa moto’. Explica que posso estacionar sobre as calçadas, desde que não atrapalhe a passagem de pedestres, de preferência onde já têm outras motos estacionadas. Descarrego toda a moto, separo uma grana e vou pro centro. Saio com calça, camiseta e colete do grupo, mesmo já passando das 9:30 está frio na rodovia e eu deveria ter levado um casaco! kkkk. Pego a via expressa com pedágios, pois é mais rápida, as vias laterais possuem muitas lombadas. Maikel me instruiu para ‘furar’ a cobrança, mas eu prefiro pagar, até porque custava cerca de 60 centavos de Real. Há várias praças ao longo das vias expressas e também em acessos de bairros, não sei como o povo não revolta-se com esses pedágios. Já próximo do centro eu pego uma entrada errada, me explicaram depois que a cidade tá um fervo por causa da véspera de natal, mas logo consigo ajustar o GPS pra me levar até a Casa Rosada e Plaza de Mayo. Ali perto deixo a moto em um estacionamento na rua mesmo e saio aventurar a pé (sempre com aquele receio pela moto…).
A capital é abarrotada de prédios antigos, uma arquitetura de várias épocas, não por acaso, afinal têm quase 500 anos. Vou até o Obelisco e depois até Puerto Madero visitar a Puente de la Mujer. Ali encontro uma fragata-museu e o preço do ingresso é 100 Pesos, cerca de R$1,60. Bora visitar o interior dela!! Depois de um lanche num kiosko de imigrantes peruanos, eu pego a moto e vou até a Floralis Generica e depois vou até La Boca. Aqui o negócio brilha aos olhos, que lugar maravilhoso! O Caminito é um lugar mágico, diria que foi a melhor parte de visitar essa cidade. Aliás, nesses percursos eu encontro dezenas de brasileiros, de diversos lugares do país. Chegando o fim de tarde preciso voltar para encontrar Maikel, pois iria buscar com ele um pneu para a moto de Ana Maria. O Google Maps me leva pelas periferias da cidade e encontro Maikel num posto de gasolina quando volto para a autopista. Saímos como doidos naquele engarrafamento dos infernos, eu tava cagado de medo, mas o camarada me disse para confiar e seguir kkkk. Chego na pousada e em questão de alguns minutos começa uma chuva forte que estende-se noite adentro. Que sorte, pois tinha deixado a capa na pousada.
Dia 24 de dezembro eu acordo cedo, me despeço de Ana Maria que estava saindo para trabalhar. Depois de terminar de arrumar a bagagem eu me despeço de Maikel e saio em direção a Carhué. Já não está chovendo, mas começa uma garoa fina e paro num posto para colocar ao menos a jaqueta da capa de chuva. Sigo pela Ruta 5, está um pouco frio de manhã, mas um frio perfeito, tipo ar condicionado. Em certo momento observo outra Tenere 250 no retrovisor, perto de uma rótula, paramos e conversamos brevemente, depois paramos abastecer. O meu camarada é o ‘Alemão’ (@leocimar_alemao) de Aratiba, bem próximo de Passo Fundo, está indo ao Ushuaia! Ele está com um problema: estava sem dinheiro, sem chip, é sábado e Western Union não funciona (ao menos está usando mapas offline do HereWego). Então ajudo ele a encontrar uma casa de câmbio na pequena cidade de Nueve de Julio e ali também troco mais 400 reais. O Alemão também vinha de perto de Buenos Aires e lá acampou sob aquele temporal da noite anterior. Passo para ele os contatos de apoio e pousada, seguimos juntos até minha entrada para Carhué e ele segue até Bahia Blanca.
Na entrada de Carhué eu abasteço a gasolina mais cara da Argentina, então já estão avisados que devem ir até o outro posto que fica no centro da cidade. Como perdemos umas 2h ali no câmbio e almoço eu chego muito tarde, não dá pra entrar no lago, mas consigo tirar umas fotos na beira da Laguna Epecuén. Ali nas suas margens ficava Villa Epecuén, que foi inundada pela lagoa em 1985, um desastre causado por má gestão, politicagem e problemas de engenharia. Poucos anos atrás a lagoa recuou e vieram à tona as ruínas da cidade. Hoje parece uma zona de guerra, mas tornou-se um balneário e atrai turistas pelas propriedades medicinais da água hiper-salgada.
Depois de algumas fotos eu pego a estrada novamente rumo a Santa Rosa, para a pousada Refúgio Pampeano (@refugiopampeano). Já estou cansado, essa região de La Pampa é muito bonita, mas muito quente e solitária, ali já faz parte da Patagônia. Está ficando noite quando chego na casa da Marta e já estava acendendo a churrasqueira para uma parilla. Logo depois chega Alejandro, um colombiano que está viajando de V-Strom 650 até Ushuaia, é desenvolvedor e trabalha enquanto viaja. Marta faz questão que todos participem da ceia de natal. Ela faz viagens de Intruder 125 e seu filho Heber de Falcon 400. A pousada possui área de camping, garagem para veículo, quarto com camas e aceita também viajantes de carro (fica na rota para Bariloche, então já sabe né…). Aí pelas 2h encerramos os festejos e nos retiramos para o descanso.
foto de la pampa
Dia 25 de dezembro tomo um café com Marta, nos despedimos e sigo para chegar em San Rafael numa pousada indicada por ela. Pretendia ir mais longe, mas havia dormido pouco e teria que enfrentar um calor e estradas vazias. O caminho aqui é um dos mais difíceis, estou quase dormindo sobre a moto, tenho que parar diversas vezes para beber água e comer uma barrinha de cereal. Pego muito vento, isso cansa muito, já é um esforço enorme tentar manter 90Km/h, mas piora quando rajadas fazem cair para 70 Km/h! Num posto no caminho encontro um rapaz de Neuquén com uma Rouser 200, vamos um trecho junto, mas vejo que a moto dele é bem melhor e digo que ele pode seguir tranquilo. Ele começa a ganhar muita vantagem, não à toa, pois apesar da Rouser ter 200cc ela tem refrigeração líquida, 23cv e 6 marchas, ele consegue manter uma velocidade final muito melhor. Depois de intermináveis horas eu chego em San Rafael, na pousada Rosa de Los Vientos. É um lugar simples, com camas e cozinha compartilhada. É administrada por Ramón, um senhor de grande coração que conta histórias incríveis de suas próprias viagens. Ali também estão posando os ‘hippies’ Alejandra (@alejandracampo20) e Leo, cada um com sua moto, mas Leo tem uma moto chopper feita por ele mesmo. Heber me passa uma dica de passeio ali na região, pretendo fazer na manhã seguinte.
Dia 26 de dezembro saio com Leo e Ale para comprar umas coisas, arrumamos a bagagem e me despeço dessas pessoas incríveis. Agora vou pra um lugar chamado Cañon del Atuel, fácil acesso e cheio de turistas, ali encontro mais dois brasileiros de Santa Catarina. É uma região boa para rafting, mas não era a época do ano apropriada, até o reservatório estava com um nível bem baixo. Saio dali, pegar a Ruta 40 e rumo a Uspallata, mas antes eu preciso trocar o óleo. Chego no acesso de Mendoza e entro em contato com uma oficina, estava fechada, no posto de gasolina não tem óleo suficiente (além de não ser da especificação adequada) até que encontro um outro posto que tem Castrol 20w50. Eu queria trocar por conta própria, mas o funcionário insistiu em fazer a lambança (meteu até veda rosca no parafuso do bujão, mesmo eu insistindo que não precisava).
Depois de tudo pronto pego a Ruta 7 e sigo entre a cordilheira, vento contra, começa a ficar frio. A rodovia é boa, muito bonita, mas é cheia de lixo, principalmente garrafa pet com urina de caminhoneiro. Tem sinal de telefone da Claro em todo o trajeto. Uspallata é uma cidade turística, há pouca opção barata e não quero camping porque não quero passar frio. Acho no Booking o Samadi Hostel (@hostelsamadi), administrado por Pablo, vou até o endereço e julgo ser um bom preço pelas acomodações e localização. Ali também estão outros argentinos e um casal jovem da Noruega, mas no geral está bem vazio. Estou cansado de comer bolachas e lanches e resolvi cozinhar um macarrão com ‘chori’, a linguiça argentina.
Dia 27 de dezembro arrumo minhas coisas, vou até o posto abastecer e já tem muita fila, afinal é o último posto antes do Chile. Ali encontro uns argentinos em BMW1200, o cara até me passa o contato dele caso precisasse de algo quando voltasse pra Mendoza. Ele avisa: vai fazer frio, esteja preparado e na aduana motos tem prioridade. Saio então pela Ruta 7 rumo ao Cristo Redentor, apesar do sol começa a ficar frio! Muito vento! Paro em Los Penitentes para colocar mais um casaco, ali é um complexo turístico, há vários na região, mas abrem quando é época de ski. Mais adiante eu chego no Arco de Las Cuervas, agora eu abandono o asfalto, não vou seguir pelo túnel abaixo da montanha e começo a subi-la pela estrada de chão. O trajeto é mais fácil do que imaginei, basta ter calma, ir devagar e manter o cuidado nas curvas. Vai por mim: dá pra subir com qualquer moto. Em poucos minutos já chego no topo e estou em frente ao Cristo e faz muito frio! Tem muito vento e tem até neve em cantos que ainda não pegaram sol (eu nunca tinha visto neve!). Há outros turistas também passando frio e uma senhora indigena vendendo comida, souvenirs e agasalhos. De resto está meio abandonado, acho que a época de turismo é realmente o inverno. Me sento num canto, sob o sol e protegido do vento, almoço uma maçã, afinal já era meio dia. Em alguns minutos aparece um casal com um motorhome da Alemanha, você tem ideia de quanta grana precisa para trazer um veículo da Europa até lá? Incrível.
Bom, hora de descer né? O outro lado tem ainda mais curvas, desço com cuidado, faço uma pausa para beber água das montanhas (melhor água que já provei!) e logo chego na rodovia para seguir até Paso Los Libertadores. Aqui a rodovia muda, fica pior, feita por grandes lajes de concreto e possuem um desnível incômodo. Quilômetros adiante a fila de carros é enorme, mas sigo por fora e encontro outros motociclistas de Buenos Aires, ao indagar eles explicam que tiveram que ficar na fila, eu até fui me informar com um guarda e é isso mesmo: ordem de chegada. Ao menos eu volto junto aos motociclistas e seguimos lentamente até a aduana e o clima foi ficando pior. Na fila começamos o preenchimento da papelada e até ajudo outros brasileiros que estão perdidos nesse aspecto (eu tinha pesquisado previamente como era o procedimento). Lá dentro a fila continua até as cabines de trâmite, no processo descubro que não-argentinos precisam preencher outro papel para a travessia e prontamente aviso os outros brasileiros que estão por lá. Ao todo passamos mais de 4 horas nessa burocracia e está muito frio, com ameaça de chuva. Eu estou preocupado porque não tenho dados móveis, tenho que sacar dinheiro em Los Andes, chegar em La Calera e de manhã já havia avisado a anfitriã que estava a caminho. Apesar de ter tráfego e rodovia ruim, a descida é tranquila e Las Cuervas é um negócio surreal, faz anos que tinha marcado esse ponto e finalmente consigo dirigir ali.
Chego em Los Andes e vou direto pra loja Chilexpress sacar o Western Union… Tarde demais, tinha fechado fazia uns 30 minutos. Uma coisa que eu esqueci: pedágio! O primeiro até Los Andes eu tive passe livre, mas nos outros dois até La Calera eu teria que pagar com cartão. Nessa pausa em Los Andes eu mexo no telefone e libero roaming internacional, com isso meu chip argentino começa a trafegar dados. Busco uma rota no Maps que não inclua pedágio e acaba sendo só sofrimento. Passo por ponte interditada e o Maps me manda cruzar uma ferrovia e seguir pra dentro de uns assentamentos, um lugar muito precário. Desisto e volto conformado em pagar no cartão, estou com receio que não passe ou que seja caro, mas no fim foi uns 4 Reais. Durante esses trajetos pela Ruta 60 trafego quase sozinho, calmamente pela expressa, cerca de 90Km/h e alguma coisa me atinge muito forte na altura do peito. Não consegui identificar o que é, mas causou a quebra do meu defletor de vento.
Chego na Posta del viajero en moto de La Calera, ali estão alguns motociclistas e Carlitos, que vive ali, chega prontamente pra tirar foto de minha chegada. Após cumprimentos eu guardo a moto e vamos comer algo. Me dão a opção de armar barraca ou dormir num colchão no canto e pra mim o colchão já está perfeito.
Ali é a sede do Moto Clube Sin Fronteras, foi expandida aos poucos e na ocasião estão construindo mais quartos privados num sobrepiso. Fica ao lado de um parque municipal e costumam fazer eventos de motos. Recebem viajantes de todo o mundo, têm adesivo até de sul coreano! Na ocasião também estão hospedados Maye (@maye_motoviajera_colombiana), David (@unarolaporelmundo), Katia e Maurício (@_kamau_1) e Fabian, todos da Colômbia. Maye me conta que o pessoal ajudou muito quando as fronteiras fecharam devido a pandemia, ficou difícil até deslocar-se dentro do Chile. Além de ‘digital influencers’ eles vendem artesanatos pelas cidades que passam para custear o estilo de vida na estrada.
Dia 28 levanto-me sem pressa, afinal o Chilexpress abre só às 9hs. Mauricio está de partida e faria a Carretera Austral. A minha ideia original era ir até Santiago de manhã cedo, mas a demora na aduana, o imprevisto com o dinheiro e a possibilidade de enfrentar um tráfego forte como Buenos Aires me fazem desistir e prefiro ir no litoral. Eu removo as malas da moto e parto para Vina del Mar, decido ir até a Playa del Deporte. Passo por algumas cidades menores no caminho e aproveito pra abastecer. Infelizmente o estado visível do Chile não é diferente de outros lugares da américa latina que vemos aqui no BR e pela TV com descaso de limpeza pública, casas precárias, pedintes, pessoas morando em barracos.
Vina del Mar é uma cidade turística, limpa e organizada, mas enquanto em La Calera estava com muito sol e calor, ali faz muito frio e um dia muito cinza. Desisto de entrar na água e me contento em molhar as canelas no oceano pacífico. Converso com um chileno e ele explica que não pode banhar-se ali, é muito perigoso, as pessoas só brincam na beira mesmo. A areia é grossa, ele até comentou que não deve chegar perto da beleza das praias brasileiras (e ele tem razão).
Pego a moto e vou até Valparaíso, não chego a passear muito, pois a cidade é um caos. Estaciono depois do Congresso Nacional e passeio por uma feira livre que ocorre ao lado. Ali vendem muita comida, frutas, roupas novas e usadas, livros e tem gente vendendo até sucata e coisas que consideramos lixo. Já passa do meio dia e como um lanche de rua, um tipo de sanduíche com molho de abacate, uma delícia. Monto na moto e sigo de volta a Vina Del Mar, havia visto um tipo de píer no caminho e queria passar lá visitar. Pier Vergara é uma estrutura muito interessante, têm comércio e feira de rua ao seu lado e ali compro umas lembranças para minha mãe e esposa.
Ao final da tarde resta partir de volta para a pousada. A emoção é grande, são minhas últimas horas ali e foi um grande feito chegar lá no pacífico. Na pousada o pessoal está organizando uma janta, nos reunimos para festejar o ano e a entrada de um novo membro no grupo. Ali a esposa de um dos membros me pede “não têm medo de viajar sozinho?” e eu respondo “sim, sempre”. Apesar de ser um passeio incrível, eu não tenho como deixar todo o medo de lado. Não só medo de algum acidente ou problema mecânico, bem como medo de um assalto ou até de perder minhas coisas pelo caminho, mas precisa dosar isso na mente, senão vira uma faca que vai cortar você no meio. Conversamos mais um pouco e pelas 2h despeço-me de cada um e vou dormir.
Dia 29 acordo cedo, despeço-me com emoção dos meus camaradas que madrugaram tomando trago e chega a hora de subir as montanhas. Estou cansado, mas no total são menos de 600km pra fazer até San Luis. No último posto antes da fronteira eu abasteço, olho para trás e vejo uma Ecosport com placa de Passo Fundo!! poxa, rodei tanto pra encontrar alguém da minha cidade! Conversamos um pouco e uns minutos depois chegam duas motos, meus camaradas da fila da aduana! Que encontro! Deixo eles abastecendo e sigo a subida de Las Cuervas, agora passo direto no túnel que corta abaixo da montanha e só faço os trâmites no lado argentino, lá encontro outra dezena de brasileiros e vamos conversando durante as burocracias.
Depois de aproximadamente 1h estou liberado, desço pela Ruta 7 e visito brevemente a Puente del Inca. Recomendo muito tirar umas férias para visitar apenas essa região de Mendoza e cordilheiras, têm muita trilha para fazer aqui nas montanhas, principalmente pelo Aconcágua, a montanha mais alta fora da Ásia!
Rumo em seguida até Uspallata novamente, até o Samadi, pois havia esquecido uma lanterna e infelizmente alguém levou ela embora. Sigo depois para Mendoza, não entro na cidade, mas pego uma rota alternativa que vai até o Lago Potrerillos, um lindo passeio por esse reservatório e depois ingresso pela Ruta 7 até San Luis. Retas longas, quentes e cansativas e nesse trecho eu vejo um casal britânico com uma van, aceno, abro o capacete e grito ‘England!’ kkkkk. Um pouco ao norte de San Luis hospedo-me na Posada Del Motero (@laposadadelmotero). Esse alojamento fica entre as planícies do sul e uma serra, Luciano cuida do lugar, também é motociclista e aluga algumas cabanas para viajantes (tanto de carro quanto de moto). Heber, lá de Santa Rosa, entra em contato de novo e dá a dica de fazer um passeio por um lugar chamado La Carolina.
Dia 30 eu acordo mais descansado, faz dias que sofro com dores no trapézio do braço esquerdo e não tinha uma boa noite de sono. Aproveito pra fazer uma revisão básica na moto, lubrificação, inspeção de cabos e parafusos. Converso um pouco com Luciano, ele me mostra sua Benelli TRK502, um motão nos moldes da CB500x. Acabou de comprar uma XR150cc (ainda vendem carburada na Argentina) e pretende fazer uma viagem até o Alaska com ela. Ele também sonha em viajar no Brasil pela floresta amazônica, mas acho que os estrangeiros não entendem muito o que significa isso e sugeri ele visitar Minas Gerais. Depois pretendo trocar uns pesos chilenos na cidade, seguir para o passeio em La Carolina e fazer a rota de Altas Cumbres. Em San Luis a minha busca por casas de câmbio é infrutífera, esse dinheiro seria útil, mas só consigo trocá-lo novamente lá em São Borja. Ali no centro encontro Marcelo, um cidadão que puxou assunto, pois também faz passeios de moto. Passa seu contato e também sugere ir até Trapiche. Eu falo que vou, mas não fui, pois já estou com a rota apertada. Dirijo em direção norte, entro em Nogoli, um vilarejo que fica do lado de um dique, a rota segue pela pequena e linda serra de San Luis até o vilarejo de La Carolina.
O lugar é incrível, muito diferente das serras gaúchas e catarinenses que são repletas de florestas, aqui predominam as rochas e vegetação rasteira. Parada para uma foto no Mirador del Cerro e desço a serra para, logo depois da próxima cidade, pegar mais uma porrada de curvas. Apesar do bom asfalto o trajeto é muito penoso devido às curvas, pois exige muito uso de cambio, freios e acelerador. Após chegar na rodovia dirijo até Minas Clavero e ali sigo pela RP34 subindo as serras de Córdova, as Altas Cumbres, minha pousada hoje será na Motoposada do Checho (@motoposadadelchecho), numa lagoa chamada Potrero de Garay. Começa a escurecer, o trajeto não rende devido às curvas e chego na pousada quando já é noite. Ali também estão hospedados Vanessa, de Rosário, e Pedro, de Florida, Uruguai. Sergio ‘Checho’ (@viajandoconchecho)é o dono do lugar e inclusive já viajou aqui pelo Brasil. Apaixonou-se por Paraty durante um trabalho voluntário e está em processo para morar aqui, já têm até CPF. Nos reunimos num bar próximo para comer empanadas e bater um papo. Apesar de tudo aparentemente estar certo eu me dou conta de um problema: vai faltar dinheiro, amanhã é sábado e não teria como sacar um Western Union até a próxima segunda. Checho convidou a todos para ficar mais um dia sem custo extra e passar a virada de ano na pousada.
Dia 31 eu levanto muito cedo, não consegui dormir muito bem. O dia estava com previsão de pancadas de chuva e como tinha pouco dinheiro eu prefiro ficar por ali sem passear pela região. Passamos o dia conversando e de tarde chegam dois rapazes de Buenos Aires. Nos reunimos todos de noite para uma parilla preparada por Checho, uma delícia de churrasco. Após a virada do ano começa a chover muito e durmo as 2hrs novamente. Foi uma noite de sono difícil, pois um dos rapazes da capital roncava como se fosse uma escavadeira (kkkk).
Dia 1º eu e Vanessa levantamos e preparamos as coisas. Pretendemos sair mais cedo, mas a chuva só encerra às 9hrs. Ela segue até Minas Clavero, de onde eu vim e eu pretendo seguir até Paraná. Pedro ficaria mais uns dias e os dois irmãos de Buenos Aires iriam de tarde para a região de Catamarca. Vou até a estação YPF mais próxima e após abastecer eu acelero pra sair, deixo a moto perder a traseira e cair no chão. Não machuco nada além do meu ego e a moto não tem dano grave além de um arranhão no tanque e alavanca de marchas torta, mas ainda funcional. Não tem o que fazer além de seguir e cuidar algum comportamento diferente na mesma.
Estava entrando em contato com algumas pessoas de Paraná para conseguir um teto para dormir, são menos de 500km, trajeto tranquilo, com muito vento a favor que ajuda a economizar gasolina, também não é quente e grande parte do trajeto é pela autopista. Entre Santa Fé e Paraná existe um túnel subfluvial, sim, eu passo por baixo do rio. Não consigo pousada e encontro um posto YPF, “Parador del Paraná” na saída da cidade, escolhi um tanto pela sua localização e por ver que muitos caminhoneiros dormem ali. Há opção de cabanas, mas 10 mil pesos estão fora de cogitação, eu acho que tenho uns 5 mil para finalizar a viagem. Peço permissão pra acampar e coloco a barraca numa laje atrás do posto. Utilizo as instalações do posto para tomar banho, faço um lanche e passo no cartão já que é um valor baixo. Durmo muito bem e muito fácil, até porque estava exausto.
Dia 2 eu levanto cedo, arrumo as coisas sobre a moto, abasteço e sigo para meu último dia em território argentino. Minha meta é ir a Concórdia e depois pegar a Ruta 14 sentido norte até São Borja. Ali já tenho hotel que havia reservado na noite anterior. O trajeto até Concórdia pela ruta 18 foi tranquilo apesar de algumas obras de infraestrutura no caminho, tem muita rodovia sendo duplicada, mas tá tudo meio parado. O trajeto de Concórdia até São Borja foi quente, aquele do tipo horrível e conforme vou ao norte os postos de gasolina vão minguando. Há filas enormes para abastecer e por sorte uma frentista aceita me atender antes e depois num outro posto eu encontro um casal de São Paulo e ‘furo’ a fila ali com eles. Teve um argentino que foi me questionar sobre isso, aí eu dei a desculpa que estávamos juntos, mas como a moto dele (uma cb500x) era muito mais potente ele conseguia chegar antes. Poxa, moto tem tanque muito menor, super rápido para encher. Ali se vão meus últimos pesos e precisaria de mais para atravessar a fronteira, pois existe um pedágio entre Santo Tomé e São Borja, mas ai eu paguei com o cartão, por sinal o pedágio ali é caro mesmo. Faço a saída do país ali fora num guichê, processo rápido que leva uns 2 minutos no meu caso, mas a aduana está lotada de argentino entrando no Brasil e lá dentro aproveito pra trocar os pesos chilenos para real. Deixo minhas coisas no hotel e saio pela cidade para tirar umas fotos e comer alguma coisa.
Dia 3 tomo um café da manhã muito bom do hotel, o estacionamento que estava lotado de argentino agora só tem um veículo e minha moto. Pego a BR 285, uma estrada péssima, faço o trajeto de volta do meu primeiro dia, vou até Cruz Alta, depois Tapera onde moram meus pais para almoçar com eles. Ao entardecer eu volto pra Passo Fundo. Fim de viagem, hora de arrumar as coisas, descansar no dia seguinte e voltar ao trabalho no dia 5.
Considerações finais.
Durante todo o trajeto o calor e o vento foram obstáculos muito fortes e tive dor no trapézio esquerdo durante todos os dias. Minha bunda estava tranquila, pois comprei uns anos atrás uma almofada de gel, uma gambiarra que mostrou-se muito eficiente. No entanto, o que mais me afetou foi a falta de sono, eu não me arrependo de tudo que fiz, mas foi realmente muito cansativo ir dormir tarde alguns dias. Se pretende fazer isso em uma moto com menos de 500cc tenha cautela com sua condição física e mental, pois essas estradas vão cobrar.
Ao dirigir pelas cidades atente-se para o trânsito preferencial, pois não é comum o uso de placas de ‘pare’. Dirija de moto com muita prudência, principalmente em esquinas nos bairros, pois é comum ter pavimentação de concreto e ele vira um sabão quando tem água (e geralmente têm água correndo de alguém lavando algo). A recomendação de vários foi evitar Buenos Aires e Rosário, principalmente por conta do assalto a mão armada, mas ainda deve estar longe de problemas que temos em nossas metrópoles. Passei em alguns bairros tão precários quanto aqui no Brasil e a minha única preocupação foi cair devido a pista escorregadia. Também é necessário ter muito cuidado nas rodovias secundárias, pois muitos motoristas simplesmente param no meio da pista para fazer a conversão, tipo, foda-se se vêm outros veículos atrás.
Caso você tenha interesse em fazer um passeio longo desses deve atentar-se para a documentação necessária, tenha consigo a CNH e identidade (ou passaporte). Na parte do veículo precisa ter o licenciamento impresso e o seguro carta verde para rodar na Argentina, Uruguai e Paraguai e Soapex para rodar no Chile. Eles são seguros que cobrem somente o dano a terceiros em caso de acidentes, em nenhum momento me pararam ou pediram esses documentos, mas são essenciais. Caso vá de carro precisa de alguns itens a mais como triângulo extra e extintor de incêndio, então é melhor pesquisar a respeito sobre isso. Foi necessário também apresentar a carteira de vacinação do COVID19 para entrar no Uruguai.
Eu não tive nenhum problema, mas você já deve ter ouvido lendas sobre a polícia corrupta argentina, então ao pesquisar eu descobri um ‘documento’ para coibir essa prática. Como precaução eu levei 2 cópias junto e pelos relatos de gente que usou (e conseguiu se livrar da encrenca) você faz assim: quando o guarda vai aplicar a multa (ou cobrar o valor dela) você concorda e diz que antes de tudo precisa preencher o tal documento, que precisa dos dados de identificação de ambos para isso. Ali tem os campos muito bem explicados, vou deixar um link de anexo.
Ao passar pela aduana do Chile, como mencionei, vai ter um formulário especial. Cuidado ao preencher o campo referente a ‘nombres’ e ‘apellidos’ (sobrenomes). Eles levam em consideração formação de nomes de origem espanhol, onde a pessoa herda o sobrenome do pai e o da mãe. Preencha apenas seu nome completo, como está na identidade. Esse cuidado deve ser tomado também ao fazer o seu cadastro no Western Union, não preencha o ‘nome do meio’, pois em países descendentes da Espanha ele é usado como nome principal. Se você preencher esse campo pode acabar trancando seu saque e causar um problema em sua viagem. E quando você ver algum campo referente ao “DNI” significa que é sobre seu RG. Após apresentar a papelada e receber os carimbos prepare-se para a fila, principalmente se você for de carro, pois vão fazer você remover toda a bagagem pra inspeção.
Não preciso lembrar que é necessário ter a manutenção do veículo em dia, né? Caso vá de carro recomendo até levar algumas ferramentas como chave phillips, chave fenda, alicate, chave combinada 8, 10, 12, 13, 14, chave biela 12 e 13, fita isolante, multiteste e lâmpadas sobressalentes (aprenda a trocar as lâmpadas de seus veículos, é mais fácil do que imagina). Não precisa levar tudo isso e não precisa saber usar, mas podem ser úteis caso encontre alguém que saiba.
Atente-se para o espanhol! Não engane-se com a similaridade das palavras e cuidado com a pronúncia de algumas coisas na hora de pedir algo. Algumas letras possuem sonoridade totalmente diferente do que estamos habituados, por exemplo:
- Não existe som de Z como em português
- Z possui som de Ç
- CH possui som de ‘tch’ (chico se fala ‘tchico’, sacou?)
- V possui som de B
- LL possui som de J ou G
- J possui som de R
- S tem som de S, não tem som de Z entre vogais
- Y tem som de J
Ou seja, quando quiser um lugar para comer churrasco você não deve pedir por ‘parilha’, deve falar ‘parija’. Se necessita encher o tanque de gasolina é “llenar”, mas fala-se “genar” ou “geno” (cheio). Quando você precisar de banheiro precisa pedir por “baños”. Eles vão se esforçar pra te entender, assim como a gente se esforça pra entender outros imigrantes que vêm ao Brasil, mas conseguir pedir o básico vai te facilitar muito. Nunca chame alguém de moço ou moça, pois têm a mesma pronúncia de ‘mozo’ que significa ‘garçom’, caso necessite falar com alguém chame apenas por ‘amigo’.
Falando sobre abastecer, há uma boa oferta de postos, você pode pesquisar por eles no google maps como ‘estacion de servicio’ ou “YPF” caso queira apenas postos dessa rede. Há uma boa disponibilidade de gás e os postos são destacados pela sigla “GNC”. A gasolina chama-se ‘nafta’ na Argentina, ‘bencina’ no Chile e você pode pedir a ‘nafta super’ que é similar a nossa comum. O frentista pode te pedir “tarjeta o efectivo?” antes de ‘cargar’ (abastecer), isso significa que ele quer saber se é em cartão ou dinheiro. Alguns podem te dizer que a gasolina nesses países é muito melhor ou que não têm etanol, mas é uma falácia. Na Argentina têm 12% e Chile 10% de mistura e sem usar um dinamômetro não tem como afirmar que faça alguma diferença.
Preferi não colocar o valor das pousadas ou valores totais que gastei, pois não sei quando você estará lendo esse relato. A inflação na Argentina acaba aumentando o valor das coisas toda semana, nada do absurdo da hiperinflação que já tivemos aqui, mas é algo que acaba travando o desenvolvimento do país.
As rodovias argentinas são muito boas e com muitas retas devido a vários fatores:
- relevo: a maioria do país é composto de planícies
- clima: não chove tanto como aqui no Brasil
- geologia: o solo não é argiloso, não deforma com chuvas
- nível econômico: não possui uma frota de caminhões tão grande como o Brasil
- balanças: há controle de peso para cargas, dias que podem trafegar e rodovias preferenciais para isso.
Um grande contraste desses países com o Brasil é o nosso poder aquisitivo. Sim, somos um dos países mais desiguais da américa latina, mas deve ser levado em consideração o tamanho da nossa população e economia. Temos muitos pobres, mas também temos muito mais pessoas ‘com dinheiro’ do que os nossos vizinhos. A maior parte da produção industrial da américa latina está aqui, isso reflete-se nas nossas classes sociais e acaba aumentando ainda mais a disparidade entre pobres e pessoas um pouco mais privilegiadas. Por exemplo, quando você estiver viajando por outros países e ver uma BMW ou Harley Davidson há muita chance de ser de brasileiro. Só aqui o mercado possui condições de vender tantos veículos de alta cilindrada (+300cc), até mesmo para pessoas que não são verdadeiramente rycas.
Todos esses dias foram como um sonho, às vezes me pego pensando no que aconteceu. Ainda mantenho contato com algumas pessoas por lá, até porque nos tornamos amigos e pretendo voltar mais vezes. Planejo um passeio pelo norte da Argentina e seguir até Antofagasta/Chile, em outro passeio pretendo ir até Ushuaia. Em ambos eu quero fazer de Fiat Uno, pois torna tudo mais fácil, posso fazer uma quilometragem diária muito maior e assim consigo fazer melhor os passeios locais. Faria de moto se tivesse uma mais potente, pois faz muita falta o torque para manter a velocidade constante. No entanto, teria que investir muito (mais de 5k) e recuso-me a financiar (não vou dar dinheiro pra banco!), então penso que vale mais a pena gastar a grana indo de carro mesmo.
Espero que esse relato tenha sido interessante e seja uma inspiração para você viajar um pouco também, até pelo BR mesmo. Não deixe-se levar por comentários escassos de outras pessoas, vá visitar os lugares, converse com seus moradores. Fui muito bem recebido por todos, vários pediam de onde eu era e pra onde ia, fiquei muito emocionado em todas as despedidas. Até mesmo o que eu escrevi aqui não chega nem a arranhar a complexidade que é geografia, economia e costumes desses lugares. Eu andei por grandes cidades, lugares turísticos, estradas desertas, cidades muito pequenas, bairros e periferias muito precárias. Se você passear apenas ‘no centro’ vai achar até mesmo que Caracas é linda e não existe problema na Venezuela (sim, teve brasileiro fazendo isso).
Por fim, não deixe de levar a bandeira do Brasil junto, até mesmo algumas pra dar de presente (fiquei devendo uma pra Marta). Deu certa inveja de ver até barraco com a bandeira chilena tremulando. Devemos ter mais orgulho de nossa nação, mesmo com o histórico ruim dos últimos anos.
Links úteis:
- Alojamiento para Motoviajeros no Facebook
- Motoqueros Chile no Facebook
- Mapa personalizado com algumas pousadas marcadas
- Documento para intimidar policiais corruptos
- Planilha com referências de pousadas:
- CUEX: Site para verificar a cotação de moedas
- Kultivi: Para cursos gratis de idiomas:
- Almofada Gel
- Álbum com todas as fotos
- Youtube com uma porção de ‘shorts’
- Carta verde online para rodar no Mercosul
- Seguro SOAPEX para rodar no Chile (paga via Paypal)